Sabemos que o processo de transformação digital é, em ordem de importância, primeiro uma mudança cultural e, depois, de adoção tecnológica. No entanto, como todo bom gestor sabe, mudar a cultura corporativa ou de uma área da organização é uma tarefa hercúlea. Não à toa são comuns os exemplos de fracasso. Afinal, a cultura corporativa é parte do “DNA” de toda empresa.
Segundo Gisele Marques, head de Pessoas e Cultura da Gera, a cultura de uma organização é determinada por dois fatores: elementos e símbolos. O primeiro pode ser resumido pela tríade visão, missão e valores; enquanto o segundo tem relação com sistemas e processos adotados. Ambos os fatores são vividos e disseminados por pessoas.
“Em geral, os dois fatores são conduzidos por líderes ou pessoas que de alguma forma influenciam as decisões, ou seja, as lideranças indiretas”, explica a especialista. “O comportamento das pessoas é que dita a cultura, e o líder maior dá as diretrizes.”
SAIBA MAIS: Impacto da digitalização na governança e cultura organizacionais
Portanto, para que as empresas consigam tornar suas culturas corporativas mais digitais, é necessário que os símbolos e os elementos sejam condizentes com este objetivo. Se a gestão deseja determinado comportamento, precisa fornecer os requisitos para isso. Em um exemplo claro: uma empresa que quer passar pela transformação digital não pode dar aos colaboradores computadores velhos e travados e insistir em processos que incentivem impressões em papel.
“Para que a cultura seja de fato percebida, é fundamental que a empresa tenha em mente a necessidade de ter elementos e símbolos convergentes com o que deseja”, explica Gisele. “Muitos líderes costumam subestimar o poder de uma cultura organizacional saudável. Como diz Peter Drucker, ‘os líderes precisam ter em mente que a cultura é capaz de devorar a estratégia, numa garfada, no café da manhã'”.
Estratégia com propósito
O primeiro passo para a transformação cultural da companhia é rever os seus elementos, ou seja, visão, missão e valores. Eles precisam estar muito bem decodificados para que as pessoas que compõe a organização sejam não só capazes de entendê-los, mas também de agir de acordo e caminhar em harmonia rumo a um mesmo objetivo.
Se não forem suficientemente claros com relação aos objetivos, talvez seja necessário mudá-los. A transformação das pessoas só acontece quando entendem seus propósitos na organização. Se a empresa não os comunica e não dissemina de forma clara e concreta, dificilmente a transformação acontece.
“Todos os seres humanos trabalham com propósito”, lembra a head. “É muito comum que líderes revisitem a estratégia da organização de modo informal e intuitivo. E o que fazem? Desesperados para gerar resultado, começam a alimentar apenas o corpo executivo nos rituais cotidianos e não se atentam para a importância de documentar tudo isso e criar rituais que permitam que novos direcionamentos da estratégia cheguem até a base da organização.”
Na prática, os CEOs transmitem ideias para a alta gestão e esperam que os executivos façam o mesmo com seus subordinados até chegar às equipes. Mas as diferentes interpretações das instruções, prioridades dos líderes em relação ao desdobramento do tema, conforme descem na hierarquia, acabam resultando em desalinhamentos e eventuais erros e, por consequência, frustração em todos.
Uma vez confirmadas (ou redefinidas) a visão, a missão e os valores de forma clara, entram os símbolos para consolidarem a estratégia. Isso vale para a organização como um todo, o que inclui, é claro, as áreas de venda, sejam diretas ou não.
Os líderes de vendas e vendedores precisam utilizar ferramentas e se valerem de processos que estejam de acordo com o propósito da digitalização. Abandonar processos analógicos é um pressuposto fundamental, pois os benefícios são grandes, e isso precisa estar claro para todos.
“Quando você mostra o propósito e o quanto o colaborador ganha com as novas ferramentas, aumenta a chance de sucesso”, diz a head.
Passo a passo da mudança de cultura corporativa
Passo 1: CEO embaixador da estratégia: o líder máximo da organização deve assumir a função de embaixador de todo o processo;
Passo 2: Começar com os líderes: sair da cultura paternalista para a protagonista, em que as pessoas sejam donas do próprio desenvolvimento, promovendo estímulos;
Passo 3: Clareza do propósito: definição da estratégia e revisão dos elementos (visão, missão e valores);
Passo 4: Conscientizar as pessoas sobre a estratégia: comunicar de forma clara, assertiva, ressignificando crenças pessoais e coletivas, de modo que as pessoas possam ter clareza sobre que tipo de atitude ou conduta é esperada de cada uma;
Passo 5: Trabalhar na modelagem e no comportamento: atuar na mudança de mindset de líderes e equipe;
Passo 6: Rever símbolos (Walk the Talk) de acordo com a estratégia, ou seja, comportamentos, processos, sistemas e práticas de gestão de pessoas que não combinam com a nova estratégia. Avaliações de desempenho, conexões entre áreas e sistemas, por exemplo, colaboram com a nova estratégia? Em caso negativo, mudar;
Passo 7: Entender que é um processo pedagógico, que vai exigir dedicação de líderes, além de tempo e persistência. Tem um tempo para começar, mas não para terminar.